COMO ESCREVER POEMAS
Escrever poemas é uma prática de prazer, paciência, imaginação e, principalmente, liberdade. Expressão mais profunda e mais difícil do que a própria prosa, pois requer um toque a mais de sensibilidade do que um romancista está acostumado a escrever.
Assim, não é incomum encontrar inúmeros escritores que se desviam de tal estilo. Por medo, preguiça, ou, na maioria dos casos, por “falta de inspiração, ou de talento”.
E como não concordo isso, sendo eu um amante dos versos e assíduo praticante, trato aqui de apresentar, de uma maneira, talvez, superficial, uma apresentação esdrúxula de conceitos básico sobre poemas, o seu cartão de visita.
Mas antes, preciso diferenciar algumas coisas.
Poesia x Poema
Muitos dizem que são iguais, outros poucos dizem que são diferentes, mas não sabem o porquê.
Em palavras básicas, poema é uma estrutura. Nada mais. São estrofes constituídas por versos. Já poesia, é, digamos, um sentimento (?) passado ao leitor, tratando-se de algo um pouco mais subjetivo, de pessoa para pessoa. Lembra daqueles momentos em que elogia as palavras de alguém como “poético”. É basicamente isso. De modo mais inescrupuloso, é a emoção, a beleza, o cheiro que as palavras exalam.
Dessa forma, nem todo poema tem poesia, e nem toda poesia é resguardada em versos. Um texto pode ter poesia, uma imagem pode ter poesia. Como este exemplo:
Augusto de Campos, Luxo/Lixo |
Com isso esclarecido, não trato aqui de poesia, mas de poema, de estrutura, abordando diferentes aspectos e formas de se criar os versos.
Tipos diferentes de estrutura
Um poema pode ser feito de diferente maneiras. Não há uma regra, uma lei; por isso há liberdade. Contudo, existem muitas formas de se construir versos determinadas a se seguir, ou não.
Estrofes e versos
O tipo mais comum de estrofe, julgo eu, é o quarteto: uma estrofe composta por quatro versos. Como este poema de Bueno de Rivera, Os derivados do Leite:
Os magnatas do leite
e seus filhos derivados
têm a carne leve e tenra
dos lactentes.
[...]
Mas também há outros tipos. Eis uma lista e seus respectivos nomes:
Monóstico – Um verso (sim. Estrofes de um verso são totalmente aceitáveis)
Dístico – Dois versos
Terceto – Três versos
Quarteto ou Quadra – Quatro versos
Quintilha – Cinco versos
Sextilha – Seis versos
Septilha – Sete versos
Oitava – Oito versos
Nona – Nove versos
Décima – Dez versos
Irregular – Mais de dez versos
E os padrões, combinações de estrofes, que considero mais comuns (existem muitos outros, além de algumas variações; mas acho bom começar por esses):
Balada – Três oitavas e um quarteto
Soneto – Dois quartetos e dois tercetos.
Soneto Inglês ou Shakespeariano – Quatro quartetos e um dístico.
Exemplo de Soneto, do Vinícius de Morais:
SONETO DA SEPARAÇÃO
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Seria as rimas a causa do grande desconforto em compor poemas? De qualquer forma, é mais simples do que parece. A rima é o que dá graça aos versos, embora sua ausência não os invalida.
Existem variações na forma de rimar, e na própria rima. Primeiramente, as rimas são nomeadas, para uma fácil compreensão, com as letras do alfabeto. Dessa forma:
Ei! Tom Bombadillo, Tom Bombadil! A
Na mata ou na colina ou junto à margem do rio, A
No fogo, ao sol e à lua, ouve agora nossa voz! B
Vem, Tom Bombadil, que no aperto estamos sós! B
- O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, J.R.R. Tolkien
Parte I, Capítulo VII: Na Casa de Tom Bombadil, Pag. 140, Martins Fontes, 2ª edição
Veja que o verso A rima com o seguinte verso, também A, acontecendo o mesmo com o B. Outro exemplo, também do Tolkien (o meu favorito, de todos no livro):
A estrada em frente vai seguindo A
Deixando a porta onde começa. B
Agora longe já vai indo, A
Devo seguir, nada me impeça; B
Em seu encalço vão meus pés, C
Até a junção com a grande estrada, D
Até a junção com a grande estrada, D
De muitas sendas através. C
Quem vem depois? Não sei mais nada. D
- O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, J.R.R. Tolkien
Parte I, Capítulo I: Uma Festa Muito Esperada, Pag. 36, Martins Fontes, 2ª edição
Essa única estrofe, uma oitava, segue a mesma lógica. As letras representam a rima, simples assim. Isso é importante na hora de se estudar as estrofes, e também, quando for organizar seus próprios versos.
Mas nem sempre as rimas serão, digamos, correspondidas. Como nesse caso:
Procure a Espada que foi quebrada: A
Em Imladris ela está; B
Mais fortes que de Morgul encantos C
Conselhos lhe darão lá. B
E lá um sinal vai ser revelado D
Do Fim que está por vir, E
E a Ruína de Isildur já acorda, F
E o Pequeno já vai surgir. E
- O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, J.R.R. Tolkien
Parte II, Capítulo II: O Conselho de Elrond, Pag. 260, Martins Fontes, 2ª edição
As únicas rimas correspondidas são as B e E. O resto é solto no meio da estrofe, um tipo diferente de abordar os versos.
Entendendo todo esse esquema, vamos à alguns padrões de rima:
Cruzada ou alternada – São aquelas estrofes onde o primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo com o quarto, e assim por diante, como o segundo poema do Tolkien que dei como exemplo. (ABAB)
Cruzada ou alternada – São aquelas estrofes onde o primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo com o quarto, e assim por diante, como o segundo poema do Tolkien que dei como exemplo. (ABAB)
Aparelhadas – O primeiro verso rima com o segundo, e o terceiro com o quarto, construindo, assim, pares de rima. (AABB)
Interpoladas – O primeiro verso rima com o quarto, e o segundo rima com o terceiro. (ABBA)
Se as rimas dão medo aos leigos, é porque ainda não conheceram a métrica. Esta é uma técnica clássica, usada como meio de se conquistar ritmo e leveza nos versos. O grande problema, talvez, seja que seu uso não é dos mais fáceis.
Em suma, a métrica se trata de uma contagem das silabas, promovendo uma igualdade sonora em cada verso. Ou seja, cada verso terá o mesmo tamanho. Porém, não pense que tal contagem é a mesma que se aprende na escola. É preciso dividir as coisas aqui; darei um exemplo clássico, o 9 º verso do terceiro canto d’A Divina Comédia, Inferno, (um de meus favoritos de todos os tempos):
Deixai toda esperança, Ó vós que entrais.
Na divisão que aprendemos na escola, da quais se contam silabas gramaticais, ficaria assim:
Na divisão que aprendemos na escola, da quais se contam silabas gramaticais, ficaria assim:
De – i – xai – to – da – es – pe- ran – ça – Ó – vós – que – en – trais
Contando tudo, temos 14 sílabas. Agora, vamos à contagem poética:
Dei – xai – to – da es – pe – ran – ça Ó – vós – que en – trais
Agora, temo 10. Simplesmente, se você ficou confuso com isso, perceba que as sílabas são dividas de acordo à fala. Por isso se tem a união de ditongos numa mesma sílaba, pois, ao pronunciar “toda esperança”, o “da” se uni ao “es”, num “todaes”; “todaesperança”.
A Divina Comédia é toda escrita dessa forma; 14 mil versos de dez sílabas poéticas, chamadas de decassílabos.
Mas existem algumas regras. Como já mencionei, a forma como é contada o número de silabas, se mostra de acordo à fala. Porém, só se contam as sílabas poéticas que estiverem antes da última tônica do verso. Por exemplo:
Acordei, levantei e não vi meus óculos
Dividindo: A – cor – dei – le – van – tei e – não – vi – meus – ó
Perceba que o resto da palavra óculos, “culos”, não conta, pois se trata de uma pronúncia descendente em seu tom. Logo, esse é um verso decassílabo, com tônicas na sexta e na décima sílaba.
Alguns tipos de métricas:
Monossílabo – uma silaba poética, como Fogo.
Trissílabo – três sílabas, como Bela moça.
Tetrassílabo – quatro sílabas, como O alvorecer.
Pentassílabo – cinco sílabas, como em As estrelas lúgubres.
Hexassílabo – seis sílabas, como Os passos que se dão.
Septissílabo – sete sílabas, como Pranto e choro nunca ouvidos.
Octossílabo – oito sílabas, como E os nobres sentados estavam.
Eneassílabo – nove sílabas poéticas, como A lágrima que caía em vão.
Decassílabo – dez sílabas, como Nos tempos passados, nunca contava-lhe.
Heroico – dez sílabas, com tônica na sexta, além da última, a décima; como em Misericórdia ao brado vão clamavam.
Existem vários outros; esses julgo serem os básicos, além do meu favorito, o decassílabo heroico.
Existem vários outros; esses julgo serem os básicos, além do meu favorito, o decassílabo heroico.
Outros tipos de métrica também são conhecidas, mas possuem uma concepção totalmente diferente dessa que conhecemos, como a grega antiga, e em especial, a nórdica, que se trata da aliteração dos versos, e de uma divisão padrão entre eles, como foi escrito Bewulf.
Qualquer poesia, em geral, faz bem. É sempre bom conhecer, e entender, para assim, produzir. Porém, considero epopeias um gênero sagrado dessa divina arte; por isso, não poderia deixar de citar, à princípio, em honra à nossa magnífica língua, Os Lusíadas, de Camões e Caramuru, do frei Santa Rita Durão; também A Divina Comédia, do italiano, Dante Alighieri; o poema finlandês Kalevala, por Elias Lönnrot; Canção dos Nibelungos; Eneida, de Virgílio; e Ilíada e Odisseia, ambas do mestre Homero.
Como todos são de domínio público, é possível baixa-los em ebook pela internet; então, bom proveito, e boa escrita.
Post a Comment