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Resenha - O Nariz

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O Nariz, é uma obra de Nikolai Gogol (Da terra de onde brotam bons escritores do chão: Russia) autor de cunho realista, mas que, por vezes, acredito eu, dialoga escarradamente com o surreal. Inicialmente publicado em 1836, a obra rende até a atualidade a excepcionalidade e concretude de uma boa escrita e de boas metáforas.
O absurdo e a fantasia, atreladas a sátira, nos posicionam à fundura das entrelinhas de cada palavra.

Um bom mistério sempre é o estopim de algumas das grandes obras de nosso tempo, e este conto, por sua vez, não fica atrás em nos apresentar um:
Ao acordar, Major Kovaliov (Personagem principal) se vê sem o seu nariz.
Como pode, de um dia para o outro, um nariz desaparecer do rosto de uma pessoa? É dessa forma que Kovaliov, homem que se intitula provido de classe, transforma a narrativa em uma incessante busca por tal órgão.

Mas, o mistério é apenas o primeiro contato com a singularidade deste texto. É só a partir das significações mais profundas que este nos mostra a maestria de seu miolo: a crítica à moral contemporânea.
Este nariz, transformado em objeto e em ser autônomo (Afinal ele decide ter vida própria. Talvez para se livrar de seu dono crápula), representa não só aquilo que lhe é naturalmente concebido, mas sim uma ferramenta de identidade com os seus círculos sociais. Dessa forma, não há uma preocupação pela incapacitação de não ter um nariz, mas sim naquilo no que outras pessoas dirão a respeito disso.

A presença daquilo que é diferente causa ao personagem e aos indivíduos que fazem parte de sua vida uma euforia de hipocrisias, numa realidade camuflada que se revela preconceituosa e asquerosa, dotada de características bastante repulsivas com aqueles que não se encaixam em seus padrões - Não me parecendo muito diferente de uma na qual não vale ser citada aqui.

Gogol retrata a vaidade sistematizada da forma mais realista possível - mesmo que a fantasia abranda os significados mais superficiais do texto - a partir das relações e interações que os personagens procriam, dando forma as características daquilo que é parte das futilidades das convenções sociais de nossa sociedade.
Além disso, as relações entre classes e posições sociais são bastante presentes, mostrando o abuso de micro poder, uma suposta relevância de direitos e a ignorância com as subordinações.

O estranho e fantasioso caso que circunda o fabuloso enredo deste conto, que é um dos grandes representantes da literatura universal, mostra uma genialidade ímpar a partir de uma escrita simples, parecendo por vezes transformar o real em onírico, ou por vezes parecendo falácias e mitos populares.
Deste modo, o leitor é aproximado a uma série de catarses que instigam desde o mais velho ao adolescente, pois, a proximidade com o desconhecido e a emergência do pensamento crítico aflora e dita o conceito da universalidade e da plurisignificação, além de se parecer com uma leitura que se aproxima com a brincadeira, deixa-nos bastante a vontade sobre o ato de lê-lo. Este é, então, a representação fidedigna daquilo que deve ser a literatura canônica: O desconcerto de mundo diante de uma empolgante narrativa.

Por fim, digo com bastante fidelidade naquilo que penso, que para a recomendação deste texto só me cabe a uma palavra: Indispensável.

4 comments:

  1. Genial! Sou fã da literatura russa e, por incrível que pareça, nunca ouvi falar de tal livro. Que perdoem-me os puristas.

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    1. A literatura russa tem muitos textos bons escondidos, principalmente os contos.

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  2. Também desconfio que, por mais realista que seja, com todas as suas críticas à sociedade e às relações sociais entre as pessoas (de modo cru e verdadeiro), Gogol tenha um pezinho bem fincado no surrealismo.
    Ótima resenha!

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    1. Sim, e parece-me que esta é uma marca frequente em alguns escritores desta geração.

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